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Ressocializar o preso ou o sistema?

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Por Auremácio Carvalho

O Brasil ostenta uma das piores situações das penitenciárias, cadeias e presídios superlotados, em condições degradantes; esse contexto afeta toda a sociedade que recebe os indivíduos que saem desses locais da mesma forma como entraram ou piores. É direito de todos os cidadãos, ainda que tenham cometido algum delito, serem tratados com dignidade e respeito.

Nesse contexto cresce a importância da adoção de políticas que efetivamente promovam a recuperação do detento no convívio social e tendo por ferramenta básica a Lei de Execução Penal e seus dois eixos: punir e ressocializar.

Caso contrário, persistirá o triste espetáculo do “faz de conta”, com repercussão da reincidência e desprestígio das normas legais. O país possui uma população carcerária que ultrapassa 550 mil pessoas; 90% homens, pobres, semi-escolarizados, negros ou pardos e submetidos, em geral, a precárias condições de isolamento: insalubridade, ociosidade, maus tratos, violência interna de facções, pouca ou nenhuma perspectiva de reinserção social, inclusive familiar e no mercado de trabalho.

Muitas dessas pessoas poderiam estar nas ruas, mas continuam sob a custódia do Estado antes mesmo de serem consideradas culpadas. Isso tudo em razão da sistemática da prisão, que prioriza a privação da liberdade como única forma de garantir a ordem pública, e a instrução criminal, assim como assegurar o cumprimento da pena eventualmente imposta.

O estigma do criminoso começa antes mesmo do cárcere, sendo este um sentimento enraizado na sociedade e de difícil solução, pois o preso é visto em geral, como um ser desprezível, “bandido” e que deveria “apodrecer na prisão”.

Desse modo, como ressocializá-lo? ou, reeducá-lo; pois, é um “reeducando”; segundo Barata, “o cárcere seria o momento culminante de mecanismos de criminalização, inteiramente inútil para reeducação do condenado- porque a educação deve promover a liberdade e o auto-respeito, e o cárcere produz degradação e repressão, desde a cerimônia inicial de despersonalização; portanto, se a pena não pode transformar homens violentos em indivíduos sociáveis, institutos penais não podem ser institutos de educação” (BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. 3ª. ed. Rio- Ed.Revan; 2010;p.167).

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Na verdade, o processo de prisão produz dois resultados: 1- A desculturação do preso: o isolamento leva-o a perda de raízes com seu grupo originário e ao distanciamento dos valores sociais e culturais; 2- U processo de aculturação em face da prisão, com a absorção dos valores e adoção de modelos de comportamento próprios da subcultura carcerária: assumindo o papel de “bom preso”, com atitudes de conformismo e oportunismo, ou de criminoso, compondo a minoria dominante na comunidade carcerária, com poder sobre os demais e o uso da violência, inclusive física, para impor sua vontade, como se vê a cada dia, com os diversos “comandos” que dominam as prisões e, de dentro delas, comandam assaltos e atos de violência externos, com estamos assistindo no Rio Grande do Norte, nesses dias.

Na verdade, o que ocorre na prática é uma aparente ressocialização, pois ela decorre, em geral, do medo de punição, e não de uma real conscientização do dano causado, em virtude da imposição da pena e da ausência de amparo do Estado, no que tange ao fornecimento de meios para a reinserção do indivíduo na sociedade- pessoal capacitado, instrumentos e meios pedagógicos para tal fim.

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A taxa de reincidência no crime é alta: beira os 70%: falta de apoio social, rejeição de empregadores ao descobrir que o candidato é um “ex-presidiário”; rejeição principalmente da sociedade e, infelizmente, em muitos casos, da própria família.

Parodiando um conhecido time de futebol: “uma vez presidiário, sempre presidiário”. Pode-se aferir que o Estado ao aplicar o “jus puniendi” deve ter como finalidade precípua a ressocialização do indivíduo, e não somente o castigo pela falta cometida, pois a pena deve servir como um meio de reingresso do preso na sociedade.

Para tanto, deve-se repensar quanto aos efeitos negativos que o cárcere introduz no indivíduo, para almejar recuperá-lo de fato, como pessoa útil à sociedade.

Citando Dias, “De máxima importância e de extrema utilidade é a prática de atividades laborativas, seja dando condições para que empresas abram campos de trabalho no interior dos estabelecimentos prisionais, aproveitando a mão de obra carcerária, seja permitindo que os presos saiam da prisão para trabalhar nas empresas. E, o que é muito importante, que as atividades desenvolvidas contribuam para que os presos encontrem mercado de trabalho quando saírem da cadeia, favorecendo-lhes a reinserção social” (DIAS, Fábio Coelho).O sistema penal e o processo de ressocialização brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio, XIII, n. 82, nov. 2014″.

Ainda sou otimista, pois acredito que o objetivo da prisão não é a simples custódia, a segregação social, o simples “castigo” ou retaliação estatal, mas a recuperação do criminoso; como diz a Lei de Execução Penal-(LEP), como seu objetivo: “Art 1º- A Execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” Ressocializar não apenas o apenado, mas a sociedade, buscando eliminar preconceitos e estereótipos, ainda é uma meta viável para tentar diminuir o crescente aprisionamento de pessoas e alcançar a almejada paz social.

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Em resumo: a “recuperação” do preso não se dá através da pena privativa de liberdade, mas apesar da pena privativa de liberdade. O que os profissionais penitenciários devem ter como objetivo não é tratar os presos ou impingir-lhes um ajuste ético ou moral, mas sim, planejar-lhes, e com a sua participação, experiências crescentes e significativas de liberdade, de encontro refletido e consciente com o mundo livre, com a sociedade, com a família.

A prisão tem sido tão massacrante para o prisioneiro que o simples fato de ser submetido a um processo penal e acusado formalmente da prática de um delito já traz para o indivíduo uma marca profunda, produzida pelo simples contato com o sistema carcerário. É a percepção que temos, como Advogado ou operadores do Direito, no contato pessoal com o preso, também constatam.

A recuperação do detento é necessária e oportuna, podendo ser alcançada, inclusive, com a realização de projetos ressocializadores de educação, cultura, esporte e artes. De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal em seu inciso XLIX: “é assegurado aos presos o respeito a integridade física e moral.” A LEP, em seu artigo 10 cita que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único: A assistência estende-se ao egresso.” É utópico, convenhamos, na atual situação prisional brasileira, mas é legal e válido para todos. (*)

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