Política Cuiabá
A divisão do território do Estado de Mato Grosso em 1977: antecedentes históricos, motivações e oficialização
Quando surgiu a alvorada no dia 1º de janeiro de 1979, algo de extrema importância ocorria em Mato Grosso. Por conta da Lei Complementar nº 31, assinada pelo Presidente da República General Ernesto Geisel (1974-1979) no dia 11 de outubro de 1977, Mato Grosso teve o seu extenso território dividido, extraído dele aproximadamente 350 mil quilômetros quadrados, que foram destinados a um novo Estado brasileiro, de nome Mato Grosso do Sul. Por conta do amplo conteúdo acerca do acontecimento ,dividirei o tema em dois artigos, sendo que o primeiro abordará os antecedentes do divisionismo, as motivações da divisão e sua oficialização, e o segundo retratará o remanescente Mato Grosso, em especial a cidade de Cuiabá, diante do acontecimento, com a perspectiva dos vereadores da 10ª Legislatura da Câmara Municipal de Cuiabá (1977-1982) e os cuiabanos que presenciaram a divisão.
            Inicialmente é importante perceber as históricas diferenças entre as regiões sul e norte. Conta-nos Marisa Bittar (1998) que as regiões cresceram separadas, sendo que um lado não conhecia o outro. A região norte identificada com a descoberta e extração do ouro pelos bandeirantes, com as usinas de açúcar e a extração da borracha, e detentora de uma cultura peculiar. A região sul era identificada com a pecuária e a erva-mate e com uma cultura influenciada pelos migrantes do sul do país e do Paraguai. Ela protagoniza com o Estado de São Paulo uma parceria econômica e política. Na economia criando gado que abastecia o país através dos paulistas, e politicamente aliando-se aos seus propósitos, demonstrado particularmente na Revolução Constitucionalista de 1932, quando somente os militares do sul do Mato Grosso apoiaram São Paulo contra as forças federais, inclusive as sediadas em Cuiabá.
            Os antecedentes históricos da divisão do território iniciaram em um movimento do final do século XIX. Conforme Hildebrando Campestrini e Acyr Guimarães (1991), a primeira tentativa de divisão foi em 1892, quando alguns revolucionários sediados na cidade de Corumbá criaram o partido Autonomista, reagindo ao poderio da região norte. Sentiam-se alijados do poder e submetidos aos projetos do norte. No período de 1900 a 1930, quando os coronéis eram mais fortes que o poder estatal, os sulistas não se uniram por conta de interesses próprios e o divisionismo não prosperou. O próximo movimento foi em 1932, quando durante a Revolução Constitucionalista de São Paulo, os militares do sul de Mato Grosso criaram o efêmero Estado de Maracaju. Tal como os paulistas, foram derrotados pelas tropas do governo federal. Logo em seguida foi criada a Liga Sul-Matogrossense, a qual radicalizou o discurso divisionista, baseando-se em dados econômicos e históricos da região, divulgando-os por meio de manifestos que acusavam ser o norte opressor, de economia decadente e sustentados com a riqueza do sul. Esse radicalismo veio a criar dicotomias entre o sul e o norte: progresso e decadência modernidade e antiguidade civilizados e bárbaros prejudicando qualquer tentativa de unidade e estabelecendo uma rivalidade. Foram eles responsáveis por abaixo-assinados enviados aos constituintes em 1934 e 1946, na tentativa de convencê-los sobre a necessidade de criação do novo Estado, o que fora ignorado. A eleição do campo-grandense Jânio Quadros à presidência da República (1960) trouxe uma nova esperança a eles, mas o novo presidente defendia a integração e por conta do seu curto período no cargo não tiveram a oportunidade de convencê-lo do contrário. Bittar (1998) afirma que o movimento divisionista nesse período (1950 a 1970) estava enfraquecido porque as principais forças políticas (PDS e UDN e depois ARENA e MDB) dependiam dos votos de todos os eleitores do Estado, e assim evitavam a exploração desse tema. Não podemos esquecer nesse enredo a situação da cidade de Corumbá que ligada historicamente a Cuiabá pela linha de comércio fluvial, não se identificava com os campo-grandenses. Com a terceira maior população do Estado e com uma oligarquia política representativa, defendia até que deveria se tornar um terceiro Estado no grande Mato Grosso. Acabou, sob protestos do norte, tornando-se um município do Mato Grosso do Sul.
É importante apresentar dois aspectos importantes no século XX para a compreensão das motivações da divisão. O primeiro foi a chegada na região sul da estrada de ferro Noroeste do Brasil, que alterou o eixo de comunicação comercial entre o Centro-Oeste e o Sudeste, substituindo os rios por trilhos, já a partir da década de 1910. Com a mudança do eixo de transporte, a cidade de Cuiabá ficou isolada e passou a acompanhar o rápido crescimento da cidade de Campo Grande, que servia de entreposto comercial e um nascedouro de uma nova elite política. O segundo aspecto é demográfico e eleitoral. A região sul tornou-se mais populosa e da mesma forma detinha a maioria dos eleitores, e por conseguinte de deputados na Assembleia Legislativa Estadual e na Câmara Federal. De acordo com a pesquisa de Maria Manuela Renha de Novis Neves (2001), entre os anos de 1947 a 1962 foram eleitos 150 deputados estaduais, destes 55 eram nortistas e 95 eram sulistas. A mesma disparidade ocorria entre os deputados federais, sendo 15 nortistas e 21 sulistas. Ressaltamos ainda o fato de que dos 5 governadores eleitos entre 1947 e 1965, somente o Governador João Ponce de Arruda (1955-1961) era da região norte. De acordo como historiador Vinícius de Carvalho Araújo (2020), o norte chegou a ampliar o número de eleitores a partir das eleições de 1966, mas sem comprometer o sul na maioria do eleitorado. Percebe-se assim que a região sul sobrepunha o norte no âmbito econômico e político/eleitoral em Mato Grosso, e ameaçava Cuiabá com o permanente discurso de mudança da capital para Campo Grande.
            No ano de 1964 forças militares tomaram o poder no Brasil e traziam consigo novos estudos geopolíticos e a ideia de garantia da segurança nacional por meio da ocupação do território. Havia inclusive o lema “Integrar para não Entregar”, uma resposta aos discursos de nações estrangeiras a favor da internacionalização da Amazônia. Segundo Bittar (1998), o Presidente Ernesto Geisel afirmou que a prioridade em matéria territorial era ocupar a região da Amazônia e do Centro-Oeste, com atenção especial à situação de Mato Grosso. Araújo (2020) cita um estudo realizado em 1977 pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) que apontava a criação de um novo Estado como um imperativo geopolítico por conta das suas dimensões, fronteiras transnacionais e riquezas em potencial. Percebe-se que foram os aspectos estratégicos nacionais que desencadearam a divisão do território mato-grossense e não pressões sulistas pela divisão ou capricho pessoal do presidente, como sugeriram alguns. Pode-se incluir a tentativa do governo militar em ampliar apoiadores do regime militar no novo Estado considerando que estaria finalmente realizando o grande sonho dos sulistas. Setores entendiam que haveria a necessidade de um plebiscito popular, mas entendo que esse instrumento democrático não era coerente ao regime ditatorial. Como percebemos, já havia uma divisão relativa às características e interesses de cada região, e sendo assim, bastava estabelecer oficialmente o que já era uma realidade inalterável. Por analogia temos o divórcio, o qual foi normatizado no Brasil naquele mesmo ano (1977). Já separados de fato, basta ao casal a oficialização, qual seja, o divórcio.
              No dia 11 de outubro de 1977 políticos sulistas seguiram em dois aviões fretados para Brasília a fim de festejarem no Palácio do Planalto a assinatura da Lei Complementar nº 31 e ouvirem o discurso do Presidente Geisel. Da mesma forma partiram de Cuiabá alguns políticos para respeitosamente prestigiarem o evento. Os dois lados saíram de lá sabendo que em 1º de janeiro de 1979 seria efetivamente instalado o novo Estado e que seriam auxiliados financeiramente pelo governo federal. De acordo com Bittar (1998), no dia seguinte à assinatura da LC nº 31/77, o jornal campo-grandense Correio do Estado publicou uma matéria com o título: “Cuiabá recebeu a divisão em silêncio, foi o dia mais triste de sua história”. Mas foi mesmo um dia triste para Cuiabá? É o que veremos no artigo que será publicado no dia 13 de dezembro desse ano com as entrevistas realizadas com ex-vereadores e contemporâneos que viviam em Cuiabá.
            Aproveito para comunicar que a partir de hoje está disponível o e-mail [email protected]. Por este canal é possível interagir com a coluna Memórias do Legislativo Cuiabano.
 
Autor:
Danilo Monlevade
Analista Legislativo da Câmara Municipal de Cuiabá
Fontes pesquisadas:
ARAÚJO. Vinícius de Carvalho. Paz sob fogo cerrado (1945-2002). 1ª Reimpressão. Cuiabá-MT: EdUFMT, 2020.
BITTAR, Marisa. Sonho e Realidade: vinte e um anos da divisão de Mato Grosso. 1998.
CAMPESTINI, Hildebrando & GUIMARÃES, Acyr Vaz. História de Mato Grosso do Sul. Campo Grande-MS: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, 1991.
Documentário: Divisão de Mato Grosso (1977). Produção e Roteiro de Onofre Ribeiro e Joel Leão (2000). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=WnWR0BVl_wo
Lei Complementar nº 31 de 11 de outubro de 1977.
NEVES, Maria Manuela Renha de Novis. Leões e Raposas na Política de Mato Grosso (até 1978). Rio de Janeiro-RJ: Mariela Editora, 2001.
 
Fonte: Câmara de Cuiabá – MT
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